terça-feira, 28 de setembro de 2010

Dia 23 - Terça - 28/09 - Tarde

Hoje tivemos a primeira aula do curso que não demandou a leitura de um case de 3000 páginas antes! Um marco para a turma 179 do AMP! E o melhor: uma aula brilhante, dada pelo Tushman, sobre Arquitetura e cultura organizacional. Confesso que fui pego de surpresa, porque até aqui, o Tushman (relembrando, o diretor do programa) estava para mais se assemelhando mais a um pavão! Muita pose, cheio de blábláblá, mas não tinha conseguido ainda extrair nenhum aprendizado de maior relevância das suas aulas. Essa opinião, inclusive, era compartilhada por alguns dos colegas de living group. Pois hoje o cara se saiu muito bem.

Tushman apresentou uma visão da empresa bastante abrangente, que não terei como descrever aqui porque é um desenho cheio de interconexões (se ele postar o arquivo ppt pra nós, copio partes dele pra cá). Mas em linhas gerais, ele compara os gestores de organizações a arquitetos. Tem o hardware (no caso do arquiteto, os cálculos, as funcionalidades, etc) e o software (na arquitetura, as curvas, a sutileza, a leveza e por aí vai). Traduzindo para a gestão, o hardware compreende as estruturas, as métricas, os sistemas, os processos e as responsabilidades. Via de regra, tudo que está escrito, tudo que é normalizado. De outro lado, do lado "soft", temos as competências, as relações de poder, as comunicações e, principalmente, a cultura da organização. E as duas coisas são absolutamente interdependentes. Por exemplo, não se pode falar de inovação e criatividade apoiado em práticas e discursos estruturados vindos da alta administração. Por isso ele define o líder como um arquiteto, que enxerga a organização dentro do seu contexto, do seu ambiente, das pessoas que a compõe.

Tushman falou longamente sobre as implicações da cultura organizacional no desenvolvimento de empresas vencedoras, por ser esta mesma cultura que molda os valores, os comportamentos, as posturas e as atitudes. Joguei no twitter uma frase que rolou na aula, oriunda de um quadro instalado na "sala de guerra" durante um processo de turnaround que estava em curso anos atrás: "CULTURE EATS STRATEGY FOR BREAKFAST". Trocando em miúdos, não há estratégia que sobreviva a uma cultura contrária.

Tushman usou como exemplo a própria Harvard Business School e a sua experiência quando chegou pra dar aula em Harvard depois de anos ensinando  na Business School da Columbia University (New York). Quando veio a Boston, ainda sem estar fixado em Harvard, ele estava fazendo um sabático (esses caras adoram um sabático...) e passava dois dias por semana em Harvard e dois no MIT, do outro lado do rio. Ele percebeu que os professores em Harvard se vestiam muito bem, e achou que colocando uma camisa com gravata estaria adequado (esta não era a norma em NY). Da mesma forma que, no MIT, o pessoal usava bermuda e camiseta! Pois depois de algum tempo, um belo dia, um outro professor, mais velho e com tempo de HBS, encontrou com ele e elogiou a gravata do Tushman. "Nice tie". E, aproveitando o embalo, emendou "inclusive, hoje a tarde, depois das aulas, estou indo comprar um terno novo. Porque você não aproveita e não vem comigo?". E lá foi Tushman para a loja mais cara de Boston pra comprar um Armani. Porque em Harvard, não basta usar um terno. Há que ser "O" terno. O interessante é que ele conseguiu contar essa história sem despertar sentimentos de "puta cara metido, tá contando só pra dizer que o terno dele é Armani".

Outro exemplo: todo escritório de professor de Harvard tem um sofá. E ele ficou interessado na razão. A resposta é que Boston está próximo ao oceano e eventualmente sofre com a chegada de violentas tempestadas sem aviso prévio. Pois o sofá é para que os professores possam dormir nos seus escritórios quando isso acontece. Tushman achou que era piada, mas não era. Os caras usam a tempestade como pretexto pra passar a noite no escritório e, segundo Tushman, eles GOSTAM!

E, citou outros tantos exemplos da HBS. Aqui, o professor chega uma hora antes na sala de aula, em especial no início das turmas. Em Columbia, 10 minutos bastavam... porque 1 hora antes? Porque ao fim da primeira semana, eles devem saber o nome de todos os 80 alunos da turma para quem estão dando aula! Outra: eles NUNCA perdem aulas. Nem pelo maior dos imprevistos um professor deixa de dar uma aula (lógico que devem haver exceções). Mas a faculdade e o dever de ensinar está acima de quase tudo.

O relevante dessa longa conversa de exemplos de Harvard é o seguinte: quantas dessas regras vocês acham que estão escritas no "manual do professor de Harvard"? Claro... NENHUMA! É a cultura que estabelece e dita este comportamento (e não estou entrando no mérito de serem comportamentos válidos ou não... por agora, são apenas comportamentos). É a forma como as pessoas agem. É a forma como os indivíduos se comportam. São comportamentos concretos e observáveis. Se um indívidio não se adapta a esta cultura, não é o livro de regras que vai convidá-lo a partir pra outra, mas a própria cultura. Esta é uma características de organizações de cultura forte.

No entanto, há que se considerar que essas organizações culturalmente fortes, podem funcionar tanto para o bem quanto para o mal. Por exemplo, bloqueando iniciativas necessárias para que a empresa avance sob o pretexto da "cultura" (e aqui vai entre aspas não por acaso). Daí, o papel do líder como arquiteto. Não dá pra considerar só o "hardware" pra promover transformações.

Tushman também mostrou vários experimentos feitos em tempos passados para evidenciar a importância de contexto e a capacidade do ser humano de se adaptar (eu diria até, se transmutar) em função do contexto. Por exemplo, um experimento feito com um elevador. O indivíduo entra no elevador vazio e espera o elevador subir... antes de fechar a porta, chega alguém e entra no elevador ficando parado de costas para a porta. Na sequencia entra outro indivídio que também fica de costas pra porta. E um terceiro na sequencia com a mesma atitude. O que acontece com o cara que está de frente? Vira de costas!!!!! Porque? Contexto! Sensação de que "esses desgraçados devem saber algo que eu não sei!!!!!!!".

Outro experimento (também documentado em filme, que ele passou na sala) foi o "Experimento de Milgram". Uma pesquisa rápida no Google pode dar um monte de informação a respeito e este link http://www.youtube.com/watch?v=K9rzA4Li0ig&feature=related tem uma descrição passo a passo. Mas basicamente, o experimento pretendia avaliar a capacidade de discernimento humana versus a obediência a determinados padrões. Foram recrutados 50 professores que deveriam fazer perguntas a um indivíduo atrás de uma parede. Se o indivíduo respondesse certo, nada acontecia. Se respondesse errado, levava um choque. A intensidade do choque era progressiva. A partir de 300V, o indivíduo do outro lado colava na parede e não conseguia mais falar nada. Mas os professores foram instruídos a considerar o silêncio como resposta errada e continuar aumentando a intensidade do choque. O professor só escutava o grito dos pobres coitados do outro lado. Mas, mesmo aparentando constragimento na maioria das situações, 65% foram até o último choque!!!!!!!

Ainda mais popular é a experiência relatada no filme alemão "A experiência". Um grupo de estudantes foi recrutado e dividido em dois grupos. Um grupo "brincaria" de prisioneiros numa cadeia de verdade, e o outro grupo "brincaria" de guardas. O experimento deveria durar uma semana. Foi abortado no segundo dia porque os estudantes que estavam desempenhando o papel de guardas já estavam sendo extremamente violentos, coercitivos e abusivos com os "pririoneiros".

Ou seja, seres humanos comuns podem fazer coisas assutadoras dependendo do contexto em que estão inseridos.

Outro tema da aula foram as redes de comunicação e poder informais (um elemento importante da cultura). Raramente os detentores do poder informal são os principais executivos. Este poder, flui pela organização e é possível mapeá-lo a partir das redes de relacionamentos informais. O poder informal tem dois alicerces: conhecimento técnico e predisposição para ajudar. Quem tem estes dois elementos, vira fonte de referência e as pessoas procuram estes indivíduos naturalmente, o que lhes atribui este poder informal e os transformam em "entroncamentos" de informações (e informação é poder!). Entretanto, em organizações de cultura fraca ou onde são tolerados comportamentos disfuncionais, este poder pode se estabelecer a partir de (adivinharam...) fofoca e intriga! Mais uma vez, a importância da cultura em organizações de alta performance.

E aí, assim como é função do gestor identificar gaps de oportunidade (para explorar novos negócios, nichos, produtos) e gaps de performance (problemas de funcionamento da empresa que precisam de solução), também se inclui entre suas obrigações identificar os gaps de cultura. Ou, em outras palavras, a distância entre a cultura atual e a cultura necessária para que a organização chegue onde se pretende.

Confesso ter ficado surpreso (positivamente) com a abordagem. Quando estudei na Inglaterra, essas questões culturais eram consideradas de fundamental relevância, e dê-lhe Foucalt e Galbraith como leituras obrigatórias. Mas na América, não enxergava este tipo de preocupação permeando o currículo das escolas de negócios. Muito bem. E vocês, o que acham de toda essa conversa sobre cultura? Fiel ao estilo adotado até aqui, não vou reler agora o que escrevi. Pode ser que esteja um pouco confuso, basicamente, porque eu ainda estou processando a aula, que foi efetivamente instigadora. Mas já dá pra começar a trocar idéias. Como vocês percebem esta questão nas empresas de vocês? Algum exemplo que corrobore ou contraponha o argumento que apresentei?

9 comentários:

Helvio Nunes disse...

Sua frase "Ou seja, seres humanos comuns podem fazer coisas assutadoras dependendo do contexto em que estão inseridos" fez-me lembrar do Experimento de Stanford
http://pt.wikipedia.org/wiki/Experimento_de_aprisionamento_de_Stanford
pelo jeito o filme alemão q vc cita é baseado neste caso.

Orestes disse...

Allan, por primeiro quero dizer que o seu texto não está confuso em momento algum, está muito claro e dá uma pista muito interessante de como entender como a cultura de uma empresa se estabelece, sem registros ou normas. Pelo que entendi a cultura acontece com o passar dos tempos pela prática informal nas organizações.
Muito interessante

Anônimo disse...

Olá Allan, novamente parabéns.
Se permite,complementar a sua fala, escrita (aliás quando leio te vejo falando, como é importante o papel das lideranças da empresa. Porque no fundo quem cria a cultura são os líderes, a cultura do medo, cultura da criatividade, e outras e isto está diretamente relacionada com valores e crenças das lideranças. A cultura pelos exemplos dado por você se passa através de exemplos. É o cara da gravata, o cara do terno, mas no fundo quem acaba por estabelecer isto são os lideres. Quando falo em lider, não estou falando em líderes com posições formais. Novamente obrigado por compartilhar o conhecimento e ajudar-nos a adquiri-lo de uma forma diferente e permitir que possamos contribuir com você também.
abraços Agnaldo

Anônimo disse...

Sua seqüência lógica de explicação dos fatos é extremamente clara. O mais atraente, é abrir os olhos pra esse negócio invisível (e óbvio) que é a cultura, a soma de conceitos e valores, da empresa, é o que define a identidade (será que isso influencia a marca???). Saber jogar com este pacote de variáveis, tendo a clareza de como o sistema funciona, e estimular as características de cada empresa, é o segredo deste jogo. A forma como está sendo demonstrado isso no teu curso, é o que mais fascina, pois a cultura (e os conflitos gerados por ela) pode ser observada por diversos prismas (aos olhos da cúpula, da base, do cliente, do fornecedor, etc). Entender este mecanismo ajuda a responder muitos porquês do dia-a-dia. E nos ajuda a evitar erros.
Quanto aos testes que você descreveu isso só prova (ainda mais) a tese de que a massa é acéfala, e é submissa a qualquer tipo de liderança, obviamente que quando a massa se rebela, o faz por estar submetida a um outro líder que a conduz contra o controle instaurado. Bom, post excelente, comentários melhores ainda!!! A cada dia aprendemos mais!!! Sucesso para vc!!!

Anônimo disse...

Ola, Allan acabei lembrando hoje, o que ia te dizer sobre o momento sábatico deles. Você deve saber melhor do que eu, que este exercicio sobre o dia ou momento sabático está relacionado com a meditação. A ideia é limpar a mente para ser mais criativo, ser inovador. Então alguns reservam um dia, outros uma hora, outros dez minutos. Desta forma sempre estarão mantendo a mente limpa para receber coisas novas, como se diz, desaprender. Tem um estudo de um alemão chamado Steiner, me parece, que fez uma anãlise sobre os sabatícos, que de 7 em 7 anos, eles fazem uma revisão de vida, analisam o que aprenderam, o que vivenciaram e constroem novas fases para os próximos 7 anos. Inovam. Algo que parece com o ciclo de vida. Agnaldo

Anônimo disse...

Excelente constatação (espero que devidamente documentada e futuramente "bibliografada") sobre o poder informal baseado principalmente no reconhecimento de indivíduos com conhecimento técnico e predisposição para ajudar.
Esta identificação é mais comum em organizações nascentes ou com missões e líderes altamente motivadores, pois necessitam de toda a ajuda possível e não possuem a arrogância característica do sucesso do "eu me fiz sozinho". Compreendem a equipe como seu grande alavancador profissional e sua capacidade em liderar como a alocação das melhores qualidades para as mais adequadas tarefas (contrate sempre pessoas mais inteligentes que você... :)
Temo pelo maniquísmo de classificar uma organização inteira como de cultura "forte" ou "fraca", pois acredito que comportamentos disfuncionais como a fofoca e a intriga podem acometer alguns setores de uma organização e ainda assim não ser possível classificá-la toda como disfuncional, ou vice-versa.
Independente do que é melhor ou pior, é preciso que os líderes e liderados identifiquem claramente qual o tipo "preponderante" em sua organização e observar coincidências com seus valores particulares.
Se o poder não se estabelece pelo seu reconhecimento pelos seus pares, ao contrário: é alocado por meio de fofocas, intrigas e outros interesses, é melhor procurar uma cultura organizacional melhor (leia-se outra organização) do que ficar sofrendo por conta dos valores pessoais, não é? é o típico adapte-se ou morra.
Grandes palestras, grandes insights! Muito obrigado por seu conhecimento e sua predisposição em compartilhar.
Grande abraço, força and enjoy!

Anônimo disse...

Excelente constatação (espero que devidamente documentada e futuramente "bibliografada") sobre o poder informal baseado principalmente no reconhecimento de indivíduos com conhecimento técnico e predisposição para ajudar.
Esta identificação é mais comum em organizações nascentes ou com missões e líderes altamente motivadores, pois necessitam de toda a ajuda possível e não possuem a arrogância característica do sucesso do "eu me fiz sozinho". Compreendem a equipe como seu grande alavancador profissional e sua capacidade em liderar como a alocação das melhores qualidades para as mais adequadas tarefas (contrate sempre pessoas mais inteligentes que você... :)
Temo pelo maniquísmo de classificar uma organização inteira como de cultura "forte" ou "fraca", pois acredito que comportamentos disfuncionais como a fofoca e a intriga podem acometer alguns setores de uma organização e ainda assim não ser possível classificá-la toda como disfuncional, ou vice-versa.
Independente do que é melhor ou pior, é preciso que os líderes e liderados identifiquem claramente qual o tipo "preponderante" em sua organização e observar coincidências com seus valores particulares.
Se o poder não se estabelece pelo seu reconhecimento pelos seus pares, ao contrário: é alocado por meio de fofocas, intrigas e outros interesses, é melhor procurar uma cultura organizacional melhor (leia-se outra organização) do que ficar sofrendo por conta dos valores pessoais, não é? é o típico adapte-se ou morra.
Grandes palestras, grandes insights! Muito obrigado por seu conhecimento e sua predisposição em compartilhar.
Grande abraço, força and enjoy!

Marcela disse...

Oi Allan,
Recebi seu texto por email e gostei muito. Cultura Organizacional tem sido meu foco de trabalho e estudo nos últimos anos. Recomendo a leitura dos artigos de Edgar Schein, o papa da cultura organizacional, Peter Senge e Otto Scharmer.
Sucesso em seus caminhos!
Abs, Marcela.

Allan Costa disse...

Anonimos e Marcela, obrigado pelos feedbacks positivos! Grande abraco.