Outra pérola do Rivkin é que PCs são como peixe: se vc não vendê-los logo, eles começam a feder. E é exatamente da inovação no modelo de produção (zero estoque) e de venda (direta ao consumidor) que vieram as inovações da Dell. Entretanto, o mercado evolui, as inovações foram copiadas por outros e a Dell parece ter se esquecido que "se você quer ser o melhor, tem que ser, de alguma maneira, diferente".
Finalmente, chegamos à aula do Healy e ao caso da ATH Microelectronics, uma start-up criada em 1997 para desenvolver produtos de alta tecnologia que permitiam diagnóstico por imagem na área médica. Começou chato pra caramba, mas algumas reviravoltas trouxeram lições muito interessantes (mais algumas daquela linha quanto mais simples e óbvio, melhor). Sinteticamente, os caras nasceram em 97, receberam vários aportes de capital e em 2001 foram comprados por um grande player da indústria. O pagamento pela empresa foi feito parte na frente, e parte posteriormente (a maior parte) atrelado a metas de faturamento.
O histórico financeiro da empresa até 2002 foi o seguinte:

Como vemos, destruindo valor com uma velocidade espantosa. A situação era a seguinte: ou em 2003 eles chegavam a $63 milhões de faturamento, ou perdiam o pagamento da parcela condicional da negociação de venda da empresa. Isto posto, os diretores (que eram os donos originais e portanto os maiores interessados), que nunca haviam falado com as equipes em retorno financeiro antes, traçaram uma estratégia de guerra calcada em corte radicalíssimo de custos e em aumento das vendas, com premioes em dinheiro + uma viagem com tudo pago pro Hawaii para os funcionários se as metas fossem atingidas. Vejam o resultado abaixo:
Fantástico! Resultado atingido com sobra, todo mundo com bonus no bolso e a galera alegre, feliz e sorridente no Hawaii encantada com os seus gestores que proporcionaram a eles um momento tão "feliz". Muito bem, 3 dias após todos voltarem do Hawaii, o FDA (que regula a área médica nos EUA) fez uma visita à empresa e entregou uma lista de 150 inconformidades nos produtos fornecidos, decorrentes de reclamações recorrentes de clientes, quanto à qualidade do que estava sendo entregue. Ou consertavam tudo, ou a empresa seria, simplesmente, fechada!
Em 2004, novas políticas. Agora o bonus estava atrelado a receita E indicadores de qualidade (índice de defeitos no produto, re-trabalho, devoluções de produtos e reclamações de clientes). Resultado:
Well done!!!!! mais uma vez, excelentes resultados. Todo mundo ganhou bônus, e os pagamentos das parcelas subsequentes da compra da empresa foram recebidos pelos donos. No início de 2006, entretanto, o crescimento estagnou. Os diretores (donos originais) foram deixando o negócio e uma nova gestora profissional da empresa que adquiriu o negócio assumiu o controle. O foco no zero defeito foi mudado para alto nível de serviço e confiabilidade. Entretanto, a indústria evoluiu e novos produtos superiores estavam inundando o mercado. Assim, ouotra métrica estabelecida para o bonus foi o prazo para que os novos produtos em desenvolvimento chegassem ao mercado. O resultado:
Faturamento despencando e de volta ao prejuízo. Porque? O que vocês acham?
Acompanhem o desenrolar do case. Quando o discurso dos líderes e o bonus dos funcionários estavam focados em aumentar faturamento, o faturamento aumentou, mas a qualidade despencou. Quando a direção mudou e o foco foi para a qualidade, a qualidade aumentou. Quando, finalmente, o foco foi para novos produtos, os novos produtos foram entregues. Mas mesmo assim o faturamento caiu e a empresa entrou num baita preju. Porque? Porque para cumprir os prazos e não comprometer seus bônus, os fucnionários começaram a pegar "atalhos" para não comprometer o prazo e TODOS os novos produtos foram REPROVADOS pelo FDA.
Resumo da ópera? You get what you pay for... Só esse case da um seminário, mas tem algumas reflexões interessantes aí. Normalmente, as direções dadas pelos líderes são efetivamente seguidas. Mas a que custo? De quem é a responsabilidade de preservar a integridade e o crescimento sustentável da organização? Os empregados estão errados em tentar assegurar seu bonus a qualquer custo (cortando caminhos no desenvolvimento de produtos e baixando a qualidade, por exemplo)? Ou os líderes devem se preocupar em estabelecer metas que não comprometam a longevidade da empresa e permitam crescimento sustentável? E os controles? Dá pra confiar nos controles feitos pelos gerentes da produção (cujo bonus também depende das mesmas métrica)? Ou os líderes devem estabelecer seus próprios mecanismos de controle que sejam conhecidos por todos? Como eu disse, dá seminário...
Hoje fecho o dia assistindo a uma aula dos alunos de MBA. Como AMPers (que é como somos chamados em Harvard), somos visto como a "elite" da Business School (pensa num negócio chique...). E por isso, fomos convidados pelos MBAers para participar de uma aula com eles e para uma reunião informal depois da aula. Ontem, na conversa com Tushman, ele estava descrevendo o ambiente de uma sala de aula do MBA. São 80 estudantes brilhantes e em início de carreira que chegaram aqui sendo os melhores em tudo até então. E quando chegam aqui, entram numa distribuição normal, onde a Universidade obrigatoriamente vai dar "A" de avaliação para 15% da turma, vai colocar 70% na média e vai dar um "fail" pra 15%. É ums distribuição meio burra (na minha opinião), mas que é amplamente usada pra um monte de coisa num monte de lugar, a famosa distribuição normal (ou em forma de sino). O resultado disso é que a turma é estupidamente competitiva, ninguém admite deixar de ser o melhor e qualquer pergunta do professor resulta em 80 mãos levantadas se voluntariando pra responder, porque 40% da avaliação deles é decorrente de participação em sala de aula. Ou seja, no mínimo, vai ser divertido...
3 comentários:
Rapaz, tenho a impressão de já ter visto essa história em algum lugar... :)
Falta de crescimento sustentável, é o que retrata o case da ATH. Lucro pelo lucro, venda pela venda, metas cumpridas sem a preocupação com a qualidade, seguindo às cegas as diretrizes do board.
A estratégia com target voltado para o lucro, essencialmente, não se sustenta ao longo dos anos. Não que esteja errada a estratégia, mas simplesmente ela não se sustenta. Ela precisa ser, necessariamente, voltada à perenidade da organização, sob pena até da extinção da mesma. De que vale o lucro temporário versus um cliente insatisfeito?
Boooas reflexões...
Grande abraço!
Allan, case muito interessante...
Já dizia Kaplan em 1992 que "...somente as métricas financeiras não são mais suficientes para medir ou avaliar o desempenho das organizações.."
Ou seja, a organização precisa orientar sua estratégia com indicadores relacionados - causa e efeito nas perspectivas de Pessoas (Aprendizado e Crescimento), Processos Internos (Eficiência e economicidade), Clientes (Qualidade e Satisfação) e finalmente Financeira (Satisfação dos acionistas no caso de uma empresa que visa lucro).
É claro no case da Dell que se não olharmos a empresa como um todo (isto significa INDICADORES nas diversas perspectivas citadas) o custo pode ser alto.
Imagine que o painel do seu carro marca kilometragem, e que tenha também um marcador de combustível, mas seu carro é bom e também tem temperatura do motor, nivel do óleo, pressão dos pneus, temperatura dos pneus, medição de inclinação do terreno...
O que é medido? Como é medido? Qual a fidedignidade das informações? Há razão para medir se não é utilizado?
Outro ponto importante é saber se todos os passageiros estão de fato comprometidos a fazer a viagem...pode ser que o pessoal até queira viajar para o destino, mas não na velocidade requerida...e se o preço for passar por caminhos off-road...talvez muitos desembarquem. Alguns querendo rallye de regularidade, outros querendo fazer o percurso em menor tempo...
Enfim, o componente cultural, que muitas vezes prepondera nas organizações e é o mais dificil de lidar, se podemos dizer que é "gerenciável", porém desempenha papel fundamental tanto para facilitar quanto para complicar...
O mundo do ideal diz que as organizações necessitam ter pessoas qualificadas e motivadas que por meio de processos claros e eficientes, possa satisfazer e superar as expectativas de seus clientes e comunidade, gerando lucro. Simples? Certamente não... se fosse estaríamos sem esta bela oportunidade de discutir o assunto da Dell...
Abraços.
Allan, duas questões que chamam atenção no texto são: A primeira refere-se a estratégia que deveria ser adotada pela empresa para que esta pudesse ser sustentável à longo prazo e a segunda se existe coerência entre estratégia e política de incentivos?
Buscando outros elementos, além daquelas já comentados por outros colegas anteriormente, considero que uma questão importante é perceber em que indústria a empresa ATH está localizada. É a eletrônica, mas com produtos dirigidos ao setor de medicina que exige qualidade e precisão para o diagnóstico correto, feito por médicos especializados. Neste segmento não se pode admitir erros ou falhas, que poderão colocar em risco vidas humanas.
Em tese as empresas que concorrem nesta indústria devem buscar uma reputação de alta qualidade e precisão de seus produtos, o que ajudará seus clientes (médicos) a serem mais assertivo no atendimento os seus clientes/ pacientes. Não por coincidência que a empresa ATH prosperou nos anos de 2004 e 2005 quando gerou este valor solicitado pelo mercado, não tenso sido registrado problemas de qualidade junto ao organismo FDA. Percebe-se nesse período coerência entre estratégia e incentivos internos (faturamento/ produtividade e indicadores de qualidade).
Em minha opinião, a estratégia de desenvolvimento sustentável da empresa seria a de se posicionar como empresa que oferece produtos de alto valor (Alguns atributos identificados de produtos estariam associados à alta qualidade, eficiência, performance superior em produtos inovadores, de preferência sempre um passo a frente da concorrência), de forma a manter ou ampliar marketing share e rentabilidade. O lucro não significa remuneração positiva do capital, tendo em vista que a rentabilidade mede melhor o retorno do capital. Mas a estratégia somente poderia se consolidar se a ATH buscasse a reputação no mercado (posicionamento) de empresa que oferece produtos de alto valor e inovadores no diagnóstico por imagem de forma rentável.
Neste sentido, existiu incoerência de gestão no tipo de incentivo estabelecido no período de 1997 a 2003 ( quando incentiva unicamente faturamento/ produtividade) e também pós 2006, pois os incentivos internos não conduzem a estratégia sustentável de longo prazo.
Postar um comentário