Hoje tenho a obrigação de começar agradecendo a galera que tá seguindo o blog e que tem postado comentários na maioria das vezes mais interessantes do que o próprio blog. Muito legal as contribuições e feedbacks de vocês. Escrever o blog também tem um propósito "pedagógico", já que sentar toda noite pra escrevê-lo me obriga a reservar tempo pra refletir sobre o dia, pensar nas principais lições e, ao fazer isso, organizo as idéias e amplifico o aprendizado. Mas mais do que isso, o que motiva a não deixar de escrever todas as noites, mesmo nos dias em que to pregado e com os olhos quase fechando, é saber que vocês estão acompanhando o blog. Muito bacana mesmo!
O dia hoje foi mais light em termos de aulas. O dia começou com Estratégia e o caso da guerra das colas (Coca e Pepsi). O Rivkin fez um teste cego, igual ao que a Pepsi tornou famoso na década de 80 como o "Pepsi Challenge". Basicamente, consiste em tres copos com três colas dentro identificados por números. O cidadão bebe e tem que adivinhar qual cola está tomando e qual tem melhor sabor. Três voluntários da turma foram para o teste. Dos três, dois acertaram qual era a pepsi e NINGUÉM conseguiu distiguir a Coca da Genérica. Todos disseram que a genérica era a Coca.
Assim sendo, a pergunta: o que faz com que duas empresas que fabricam concentrado de uma bebida que o consumidor sequer consegue distinguir sejam tão lucrativas por tanto tempo, sustentando uma vantagem competitiva que, por exemplo, transformou a coca-cola numa das marcas mais valiosas do mundo? A resposta: Marketing + Estratégia. É mais um longo case que descreve toda a história da guerra das daus empresas e fatos curiosos como a tentativa da Pepsi de ser comprada pela Coca na segunda vez em que ela abriu concordata (sim, a pepsi quase foi a falência duas vezes antes dos anos 50) e a negativa da Coca de comprá-la simplesmente porque a Coca queria ter uma concorrente que a impulsionasse a ser sempre melhor (e que ao mesmo fosse tão pouco lucrativa a ponto de quase quebras duas vezes, ninguém é bobo neste mundo!). Mas a construção destas duas marcas se deu basicamente a partir de um fortíssimo esquema de marketing e de criação de barreiras de entrada focadas na relação com os engarrafadores e com a rede de distribuição, o que impediu a entrada das centenas de genéricos produzidos ao longo do tempo como concorrentes sérios (lembrando que no teste cego os três acharam que era coca-cola).
O Rivkin também contou uma história de que os caras fizeram um experimento com as pessoas tomando uma bebida qualquer (eles chama essas bebidas gaseificadas de Carbonated Soft Drinks - CSD) estando atrelados a uma máquina de scan cerebral.Quando eles tomavam essa tal bebida, algumas áreas do cérebro se "acendiam". Mas quando eles tomavam coca-cola sabendo que era coca-cola, além das mesmas ;áreas do cérebro se acenderem, as áreas responsáveis pela memória também eram ativadas. Em outras palavras, beber coca-cola está associado também a lembranças (de um comercial na TV, de uma garrafa de coca compartilhada com alguém e daí por diante). Esta é uma barreira de entrada enorme, já que a marca passa a estar associada com boas memórias.
O caso também é rico pra ilustrar a sequencia de bobagens que os executivos da Coca cometeram nos anos 80 (como a invenção da New Coke, uma tentativa da coca de copiar o sabor da Pepsi, por incrível que pareça) e a forma como a Pepsi inteligentemente soube tirar proveito disso. Por exemplo, naquela época, a Pepsi inventou o slogan "For the young and the young at heart", pra tentar aproximar a Pepsi de um novo público e apresentá-la como uma alternativa diferente e inovadora à tradicional Coca, que na época dominava amplamente o mercado americano. E, ao mesmo tempo, colocou na televisão e nas redes de distribuição o Pepsi Challenge, que promovia o tal teste cego pra ver qual cola o consumidor preferia no teste do sabor. A resposta da Coca: anúncios na televisão onde apareciam cientistas vestidos de branco em um laborátorio quiestionando a validade daqueles testes. Onde está o erro???? hehe... difícil saber é se tem algum acerto. Pra começar, ao fazer isso a coca promoveu.... o Pepsi Challenge!!!!!! Segundo, cientistas falando de aspectos como paladar, papilas gustativas e coisas do gênero era algo inacessível ao consumidor, que não entendia patavina. E, justamente por não entender, o consumidor achava aquilo tremendamente chato e entediante. Numa época em que quem estava se consolidando como a alternativa para os jovens de espírito???? Pois é....
Durante todo esse parlatório sobre as cocas me ocorreu o seguinte: basicamente, a análise que nós estávamos fazendo estava se baseando no bom e velho modelo das forças competitivas de Porter que já existe há trocentos anos. O mesmo modelo que está disponível pra toda a humanidade desde algumas décadas atrás. Então, porque algumas empresas aplicam o modelo e baseadas nas inferências que ele proporciona desenvolvem estratégias tão consistentes e outras, que utilizam exatamente o mesmo modelo, vão pro buraco? As ferramentas são as mesmas pra todo mundo. E aí, como sempre, o que faz a diferença é o fator humano. O USO que se faz dessas ferramentas. A inteligência, sabedoria, perspicácia, conhecimento e intuição com que se usam essas ferramentas. Não tem jeito: organizações são feitas de pessoas. No fim do dia, são sempre as pessoas que fazem a diferença.
Outra reflexão interessante proporcionada pelo Rivkin foi sobre a real natureza daquilo que uma empresa vende e a importância disso para identificar produtos substitutos. Pra isso, ele usou o exemplo da Black and Decker, que entre outras coisas, fabrica furadeira. Quem compra uma furadeira quer o que? A furadeira? Ou um buraco?????? Portanto, quem compra o seu produto quer exatamente o que? O produto? Ou algo que ele proporciona? E pelo mesmo viés, a furadeira tem váris produtos substitutos (no caso, estamos falando de uma furadeira elétrica). Por exemplo, o martelo + prego ou uma furadeira manual. Mas também a gravata pode ser um produto substituto! Gravata substituindo furadeira? Claro! O maior índice concentrado de vendas de furadeira no ano é no dia dos pais!!!!!!!!! Portanto, gravata é, efetivamente, um produto substituto na indústria de furadeiras.
Continuamos a manhã com Bazerman e Subramanian (eu disse Subramanian, não Sibutramina) com negociação e a análise do case da Antamia, uma mina de cobre no Peru que foi a leilão num intricado processo de lances que misturavam lance inicial mais perspectiva de investimento no médio prazo. Quem me segue no twitter percebeu que foi a primeira aula verdadeiramente chata até aqui. Uma hora e meia discutindo mina de cobre no Peru é de trincar. E pior ainda, tem três caras que trabalham em empresas de exploração e que entendem do business. Aí, polarizaram a discussão, fizeram extrapolações mil e terminaram a aula conjecturando quanto à possibilidade de extrair molibdênio da tal mina. Peloamordedeus....
Finalmente, a última aula do dia foi sobre Diagnóstico Organizaional e Solução de Problemas Gerenciais, com o Tushman (que entregou mais um livro, o dele, pra ler...). Alguns pontos relevantes da aula dele:
- Destaque para a importância de se conhecer a história das organizações para resolver problemas. Na maioria das situações os problemas tem alguma raiz cultural que não é percebida por quem não conhece a história. Há uma história em todos os lugares, e ela não vai desaparecer;
- Tushman falou muito, mas muito mesmo, sobre a necessidade de inspirar as pessoas numa organização. Ele coloca a essência da organização em 3 pontos objetivos: estratégia (o negócio em que você está), objetivos (quantificáveis e mensuráveis para avaliar se você está executando bem a estratégia) e visão (que é a fonte de inspiração e que gera compromisso emocional, deve gera e concentrar energia). Ele pediu que algumas pessoas falassem da visão da sua companhia e a maioria apresentou visões relacionadas a "maximizar a lucratividade", "gerar valor para o acionista", e assim por diante. Neste ponto, diga-se de passagem, disse que a nossa visão no Sebrae é transformar o Brasil através das pequenas empresas (algo que repetimos com frequencia nas nossas reuniões e que é em grande parte bem internalizado e praticado pelas nossas equipes) e o cara ficou encantado! Visões como as que foram apresentadas pela maioria não mobilizam ninguém. As pessoas querem se identificar com algo que faça sentido, que amplie sua percepção de si mesmas e da diferença que podem fazer. E falar de retorno para o acionista não leva a isso nem de longe. É claro que ninguém aqui é ingênuo de advogar uma causa em que empresas que visão lucro não tenham como objetivo, sempre, maximizar o retorno do acionista. Mas essa não pode ser a visão, não pode ser o drive principal da estratégia de mobilização e envolvimento das pessoas. Não é o que "inspira". E neste ponto, justiça seja feita, temos o privilégio de trabalhar numa empresa que proporciona com muita facilidade e de forma natural este sentido de fazer a diferença e que trabalha por uma causa que vale a pena.
Hoje recebemos a agenda da próxima semana. A boa notícia é que temos aula com o Porter na terça-feira. A má notícia é que a quantidade de leitura cresceu significativamente. E pra piorar ainda mais, agora todo dia tem um livro de um dos professores que é entregue pra gente como "sugestão de leitura complementar". O resultado disso é que, por exemplo, hoje fui na academia e em cada esteira onde tinha um caboclo ou cabocla correndo, tinha um case no suporte da esteira... E o cúmulo foi ir pra sauna depois e dar de cara com um japonês colega de turma lendo case dentro da sauna. Detalhe: sauna úmida... é, o grau de desespero das pessoas começa a atingir níveis preocupantes...
Falando em Porter, hoje ocorreu uma gravação de uma entrevista com ele pra um programa de uma rede de TV nos EUA por causa do ranking do Financial Times (o mais respeitado dos tankings de Universidades) que foi divulgado ontem pela enésima vez coloca Harvard como a melhor universidade do mundo.
Finalmente, uma última reflexão é sobre o modelo da nossa educação e dos cursos de pós-graduação e MBA que temos no Brasil. Geralmente, é um modelo calcado em aulas de 4 horas, que duram a noite toda, e que na maioria das vezes, emendam uma na outra, tipo quinta a noite, sexta a noite e sábado pela manhã, com o mesmo professor e a mesma matéria. Conheço relativamente bem este ambiente, já que dei aula nos MBAs da vida por algum tempo. Pois bem: a experiência aqui mostra o quanto este modelo está falido!!!!! Me parece que não há como suportar com razoável nível de aproveitamento e interesse, 4 horas seguidas de um professor falando sobre algum assunto, por melhor que seja o professor. É entendiante para o aluno, é um sacrifício para o professor. Em grande parte, entendo que este formato seja em função de que muitos dos professores viajam pelo Brasil afora e seria, evidentemente, totalmente improdutivo pagar pro cidadão viajar pro Pará pra dar uma aula de hora e meia. Mas o fato é que no médio prazo, este modelo terá que ser revisto se quisermos progredir para uma educação de pós-graduação menos comercial e com melhor aproveitamento. Passa pelo modelo, por dedicação efetiva dos professores (e sua remuneração compatível), mas o fato é que este formato de disciplinas simultâneas com aulas de hora e meia ou hora e quinze e extremamente eficaz! Quando começa a cansar, acaba a aula, 15 minutos de break, e recomeça com outro assunto, outra perspectiva. E no final, tudo se amarra com precisão. A diferença no aproveitamento é incomparável. O que vocês acham? Faz sentido? Ou to viajando?
Por hoje é isso. Em tempo: peço desculpas pelos eventuais erros de portugues e digitação, mas confesso que não dá tempo de voltar pra ler o que escrevi. Portanto, o que tá indo é o que sai, do jeito que sai. No livro, prometo que vai sair muito melhor! :-D
Agora vou pra cama que já é quase meia-noite e meia e o dia amanhã é cheio (ahhhhhhh que novidade....).
5 comentários:
Allan,
O que está sendo bancana acompanhar o blog é que parece que estamos fazendo o curso com você, vc está sendo muito feliz nas colocaçoes dos cases, materias, etc etc.
Abraços
Nico
Muito interessante o case das cocas! Eu viajo muito para fora do Brasil, e vejo que em alguns países existe mais penetração de uma do que outra. Viajo para algumas cidades pequenas, e tem lugares que não tem Coca, e só pepsi. Além da análise dos erros e acertos de cada uma das empresas, é legal observar como elas funcionam, marketing, a logística animal que eles tem.
Além disso, estratégia é algo que é preciso ser colocado em uma matriz, levantar informações, projetar cenários, projeções do que pode acontecer ao tomar ~uma decisão. Um exercício legal que um dia você pode fazer para os seu alunos da pós é demonstrar um exemplo como esse, e apresentar só um lado do jogo, e dizer que seus alunos são os diversos departamentos da coca, marketing, comercial, sei lá q mais, e pedir para eles pensarem na estratégia para responder a pepsi. Para que eles, que não conhecem a real estratégia adotada pela coca, e investigar outras possibilidades de jogo. Analisar que medida poderia ter dado certo para a coca!
Ps1: eu prefiro coca, e você?
Ps2: eu tinha professora de história que era apoixonada por pepsi, nunca compreendi ela!!! kkkkk
Nico, é verdade, todo dia ficamos esperando as novidades do Allan, tipo assim, como será que foi a aula hoje??? O que será que ele vai trazer de novo, e todos os dias tem algum ensinamento, algo que a gente fala, "puta q pariu" que sacada!!!! ou ainda: que cagada da empresa!!!! hahahah é muito bom!!! e pela estatística, parece que o conhecimento que o Allan tá traduzindo para a gente tá indo pra muita gente!!!
abçs
Ana C. Haesbaert
Achei muito interessante a questão do modelo de educação de pós-graduação, principalmente os profissionais, como MBAs e latu sensu, que são fortemente direcionados para algum segmento do mercado. Realmente as coordenações de cursos parecem pensar mais em facilidades de agenda e inserção de professores do que no ganho didático-pedagógico do processo, e infelizmente, sou forçado a me incluir nesse grupo. E isso que teoricamente todos os coordenadores de cursos são também professores, portanto, devem saber que um aluno submetido a mais do que umas 3 horas de aulas contínuas entra em um estado intermediário entre coma profunda e puro catatonismo...
Eventualmente as diretrizes que forçam esse comportamento podem vir da direção da instituição ou do seu departamento financeiro, já que é provavelmente mais caro manter vários professores (passagens, estadias, etc) simultâneos, mas quero crer que se algumas instituições mais sérias iniciarem esse processo, é muito provável que o crescimento de qualidade obtido force as outras a seguir o mesmo caminho sob pena de serem consideradas como "cursos de segunda linha" pela comunidade.
Mesmo em instituições públicas, onde o lucro não necessariamente é o principal objetivo, essa lógica de aulas muito longas é aplicada, e talvez seja justamente nesse mercado onde uma maior qualidade possa ser aplicada em primeiro lugar, forçando o resto do mercado a acompanhar a mudança para manter os alunos pagantes.
Outro aspecto a ser considerado é o mercado de cursos de pós-graduação de alto nível no Brasil, onde não se busca um número enorme de cursos e alunos, mas sim, turmas de alto nível e mais esporádicas, que possam sustentar uma estrutura mais complexa e cara, mas que criem um retorno tal para os alunos que compensem um alto investimento pessoal e profissional, mas isso seria papo para mais tempo...
Ótimas conclusões, Allan, a cada dia uma pérola é achada nos seus textos, e as vezes para caminhos nem sempre óbvios.
Um case meu a respeito do modelo de educação. Há alguns meses procurei um curso/treinamento de vendas. Pesquisei entre alguns que me indicaram e acabei chegando em um modelo em que o fornecedor não quis me dizer o preço antes de conversar comigo. Nesta de conversar fiquei sabendo que o valor era o dobro dos outros cursos porém fiquei totalmente convencido de que seria o melhor investimento pois a abordagem era exatamente o que eu procurava e num formato de workshop aonde reproduziríamos a nossa realidade no contexto do curso. Finalizando fiz o curso e não me arrependo de ter investido o valor a mais já que o valor percebido foi muito grande..
Então a lição que ficou para que eu reproduzisse nos meus produtos e serviços é exatamente como este fornecedor conseguiu me provar que o valor do que ele vendia era muito maior do que o custo dos outros treinamentos!
Abraços!
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