Hoje o update sai mais cedo. Não é porque amanhã é feriado no Brasil, mas simplesmente porque esta semana vai ser das piores, e se eu não bloggar agora, não vai dar pra fazê-lo mais tarde. Em função do cancelamento da aula do Kaplan na semana passada, hje acabou sendo o dia pais puxado até aqui. Já tivemos as 3 aulas "regulamentares" e ainda temos o Kaplan pela frente daqui a pouco. Então, vamos ao que interessa.
Para abrir o dia, Raman e o case da Zappos.com. A Zappos é um varejista online que foi recentemente adquirido pela Amazon, que começou em 1998 vendendo sapatos online. Embora fosse uma aula de operações, minha sensação é que trabalhamos muito mais questões relacionadas a cultura do que qualquer outra coisa. A Zappos.com era uma empresa diferente desde o princípio. Seu CEO, Tony Hsieh, inclusive publicou um livro a respeito da história e filosofia da empresa cujo título é "Delivering Happiness". Com um título desses, não é difícil imaginar qual a proposta da empresa: entregar serviço verdadeiramente premium. Por exemplo, assegurando que em até 365 dias da compra qualquer cliente pode devolver a mercadoria sem ter que explicar nada (e ainda, com os fretes correndo por conta da própria Zappos). Outro exemplo, tendo um call-center 100% interno, com gente excepcionalmente bem treinada e com métricas de avaliação de desempenho não-tradicionais (ao invés de incentivados a atender rapidamente ao cliente para "desafogar"o call-center, os atendentes eram incentivados a dedicar tanto tempo quanto necessário para satisfazer as necessidades do cliente). E, ainda de acordo com a filosofia da empresa, para gerar todo este encantamento, as pessoas que trabalham na Zappo também teriam que se sentir felizes. E a forma de fazer isso baseou-se na criação de um ambiente de trabalho totalmente descontraído ("magic at the workplace", como eles chamavam), com remuneração na média de mercado mas com um conjunto de benefícios incomparável (como videogames disponíveis para uso nos intervalos), ao contrário da filosofia da Li & Fung, já discutida anteriormente. Evidencia de que realmente não tem receita de bolo, e o que funciona pra um, pode destruir o outro. Este, aliás, é um dos diferenciais do curso por aqui. Não estamos aprendendo técnicas e receitas prontas, mas estamos construindo um apanhado de referências sem igual que nos permitirá ter muito mais massa crítica para fazer escolhas e tomar decisões.
Outras práticas pouco ortodoxas ocorriam no recrutamento, por exemplo. Eles tinham por princípio contratar gente comprometida e feliz (porque gente infeliz não vai tratar o cliente magistralmente bem)! O formulário de recrutamento tinha como "testes" palavras cruzadas e jogos de labirinto. E após o recrutamento ter terminado, antes do cidadão começar, ele recebia uma oferta de USD 2.000 pra ir pra casa no mesmo instante e deixar o emprego. Tentador, mas pouca gente topava. Os que topavam, evidenciavam que não tinham o comprometimento que se buscava e saía mais barato para a Zappos pagar esses USD 2.000 do que adminsitrar o prejuízo que um cidadão assim pudesse trazer. O resultado de tudo isso era um turnover de 7% (contra uma média de 150% na indústria) e uma satisfação por parte dos clientes sem igual. Evidentemente estudamos como era possível para a Zappos despachar os milhares de pedidos em menos de uma hora após o pedido ter sido concluído no website, mas aí, é hard skills de ponta a ponta (um sistema robotizado de gestão de estoque, acordos operacionais fortes com transportadora, etc).
Foi um case que proporcionou muita reflexão sobre o retorno para o Sebrae. Aliás, gradativamente, esta agenda começa a consumir a maior parte do tempo. Com a segunda metade do curso já transcorrendo, começa a fase de preparar a volta, de oganizar a quantidade brutal de insights que recebemos por aqui e pensar na vida "pós-Harvard". Mas essa é uma discussão que deve vir ao blog um pouco mais pra frente.
O dia continuou com Paul Healy e mais uma aula sobre ética, desta vez, sobre problemas relacionados a trabalho infantil. O Brasil, inclusive, ainda é um dos países que aparecem como tendo uma quantidade muito grande de crianças desenvolvendo trabalho de adultos. Muito, mas muito atrás de países como China e Índia, mas ainda relevante. E ao invés de discutirem este tipo de coisa, os debates presidenciais viram troca de acusação e porrada pra tudo quanto é lado. Lamentável. Healy mostrou um filme em sala de aula feito na Índia (um dos Países onde o problema mais pronunciado), mostrando crianças que trabalham na fabricação de tapetes de forma manual, e que trabalham de manhã à noite, dormem acorrentadas aos teares e recebem pouquíssima comida, além de apanharem quando começam a trabalhar para desenvolver um comportamento "dócil e obediente". Revoltante! Cruel! E um problema real e presente.
Healy também apresentou um framework para analisar questões éticas interesssante, que baseia-se em buscar respostas para algumas perguntas:
1. Eu estou confortável com as consequencias desta ação?
2. Eu estou cumprindo minhas obrigações e respeitando o direito dos outros?
3. Eu estou cumprindo meus compromissos e os compromissos de minha organização?
Além disso, de forma mais direta (na minha opinião), a abordagem pode ser a partir de 3 aspectos:
1. VISIBILIDADE - tudo bem se minhas ações forem publicadas na primeira página da Folha de São Paulo?
2. GENERALIDADE - tudo bem se todo mundo fizer o que eu estou fazendo?
3. LEGADO - Tudo bem se eu for lembrado pelo que estou fazendo?
O framework fica completo incluindo talvez a mais contundente das perguntas: "tudo bem se minha família, meus filhos e meus amigos souberem o que estou fazendo?". Esta discussão pode parecer meio "sonhadora" e incompatível com o mundo cão com o qual estamos acostumados em alguns setores específicos. Mas ela não pode mais ficar relegada a segundo plano. E o mais interessante é que estas perguntas não se aplicam só ao mundo corporativo. Se aplicam às nossas vidas pessoais. Não é um framework profissional, mas um framework muito mais abrangente e que faz a gente parar pra pensar. E é como deve ser, afinal, não pra imaginar "meia-ética" ou "meia-moral". Se é ético, tem que ser no todo.
Em seguida, logo após o almoço, Tushman e o case do USA Today. O case tratava da construção do que a direção do USA Today (um dos principais jornais dos EUA) chamavam de "estratégia de rede", algo que visava integrar o jornal com outras iniciativas que estavam transformando radicalmente o modelo de negócio dos jornais (conteúdos on-line, Internet, integração com canais de TV, etc). O grande problema, mais uma vez, era o choque de cultura oriundo do cruzamento de uma geração de repórteres à moda antiga, preocupados com a consistência das informações e céticos quanto a novos meios (provavelmente por se sentirem ameaçados por estes mesmo meios) e a nova geração ligada à Internet e à produção instantânea de informação. A questão só se resolveu após alguns anos de batalha com a substituição do executivo à frente do processo de integração, ponto no qual as resistências foram dissipadas e o USA Today tornou-se o jornal de maior circulação nos EUA (dados de 2005) e o que mais cresce em termos de número de assinantes. Alguns takeaways da aula:
- O que Tushman chama de "organizações ambi-destras" é um perigo para a longevidade da organização. Em outras palavras, o USA Today era uma organização ambi-destra porque porque possuía duas estratégias consolidadas e efetivas (papel no mundo real, virtual no mundo digital) mas que, apesar de serem efetivas e bem estruturadas, estavam concorrendo entre si. Este é um risco permanente em organizações com várias unidades de negócio;
- Em situações em que encontrar sinergia entre diferentes estratégias sucumbe a resistências culturais, em 90% das situações, só se resolve trocando as pessoas!
- O mesmo acontece com organizações que precisam se reinventar. Quando é necessário promover mudanças profundas nos processos, indicadores, competências e na cultura organizacional, em 90% das vezes, é preciso trocar as peças-chave;
- Não há forma de chegar ao futuro através de mudanças incrementais (os tradicionais PDCA e outros mecanismos de melhoria incremental). De tempos em tempos, é imprescindível uma "revolução", salto efetivo que impulsione a organização para construir o futuro antes que ele aconteça. A história está cheia de empresas que melhoravam de forma incremental constantemente e sucumbiram. Em processos de melhoria contínua, o futuro é IGUAL ao passado. Mas o ambiente está mudando O TEMPO TODO. Simples assim!;
- Esta é ótima: em tempo real, não dá pra saber a diferença entre o verdadeiro líder e o tolo! Você só sabe depois que os resultados aparecem. Basicamente, porque para promover as "revoluções" os líderes efetivos têm que pensar fora da caixa, promover mudanças que podem não ser bem compreendidas e tem que, efetivamente, ser pouco ortodoxo (pra não dizer meio louco). Por isso, só dá pra saber se ele é visionário ou bobo depois de concluída a mudança;
- Esta também é ótima, principalmente pra quem está esperando pra assistir à aula do Kaplan: estrururas, sistemas, processos, controles, e scorecards, são ótimos para tornar a organização melhor no presente, mas ao mesmo tempo as tornam PIORES no futuro. Simplesmente porque ajudam a fazer um melhor trabalho agora, estruturando e organizando a forma da empresa funcionar. Entretanto, ao mesmo tempo em que sistematia, amarra a organização ao presente! E portanto, pode matar a possibilidade de ir além das melhorias incrementais. Tushman chama este fenômeno de inércia dinâmica. É possível que tenha gente me xingando (e ao Tushman) nos comentários, mas até onde já tive tempo de refletir, me parece fazer todo o sentido...
Para fechar, frase do Tushman:
"The keys to past sucess may also be the seeds of future failure".
E que venha o Kaplan pra fechar o dia!
3 comentários:
1- Essa sua sugestão de como se abordar a ética de um assunto sobre os três prismas - visibilidade, generalidade e legado - é definitivo. guardei.
Curiosidade: num módulo sobre ética que participei, discutimos a frase de um mega power big empresário (!) brasileiro do setor de ccivil, que disse certa vez (segundo o case): "ética empresarial é o que fazemos para ganharmos dinheiro"! Sei não, mas acho que esse cara é sócio do indiano que contratou aquelas criancinhas...
2- sei q é muita coisa o q vc já está fazendo, mas se der tempo, gostaria de entender qual foi a estrategia do CEO (o novo)do USA Today... ele demitiu mesmo os inflexíveis ou os incentivou (!) a mudar?
3- planejar e organizar sim, engessar jamais.
O Big Boss trocou a diretora executiva, e o resto da turma se " flexibilizou" com a chegada de um outsider. O que eh o mais interessante da historia eh que o Big Boss, pouco tempo depois, trocou de empresa e foi tocar um processo de re-estruturacao na empresa que o contratou. Adivinha quem foi a primeira pessoa que ele contratou? A diretora que ele havia demitido!!!!! Ou seja, embora gostasse do trabalho da tal diretora, a cultura resistiu a tal ponto que a unica forma que ele encontrou de avancar foi trocando-a. Sem, entretanto, nenhum demerito aa pessoa. Tratava-se apenas da pessoas certa no lugar e hora errados. Maturidade...
Essa eu nunca tinha ouvido falar... Demitir uma equipe e contratá-la tempos depois em uma outra empresa... isso é que é equilibrio e saber separar competencia, ambiente e momento.
interessante é pouco. Abraço.
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