terça-feira, 26 de outubro de 2010

Dia 49 - Segunda - 25/10/2010

Penúltimo dia de cases. O fato é que, embora esteja todo mundo com o saco meio cheio e doido pra voltar pra casa e pro trabalho, a sensação que começa a tomar conta é uma mistura de alívio por estar chegando ao fim, mas também de algo parecido com nostalgia. Nas conversas, a manifestação da maioria (não digo de todo mundo porque não conversei sobre isso com todo mundo, mas 100% das pessoas com quem conversei sentem algo parecido) é de que em algumas semanas, estaremos sentindo falta do que foram essas 8 semanas. Mas vamos deixar a nostalgia pra mais tarde e vamos ao que interessa.

Começamos com dois cases de operações, Arrow e Merck. Disparado, na minha opinião, a melhor aula do Raman. O primeiro case foi o da Arrow (distribuidora de componentes eletrônicos, tipo processadores, semi-condutores, etc), que no início dos anos 2000 teve que escolher entre se tornar "digital" e criar um marketplace digital para negociar seus produtos (como todo mundo tava fazendo) ou em sustentar sua estratégia de longo prazo que não previa aventuras na Internet, ainda que isso representasse perda de valor de mercado no curto prazo por causa da euforia das .com. Eles chegaram a temer que algum dos e-marketplaces (como a Chemdex) que estavam entrando no mercado pudesse comprá-los, nos mesmos moldes da operação que envolveu a AOL e a Time Warner. Pra quem não se lembra, a AOL, na época pouco mais do que um provedor de acesso à Internet com relativamente pouca quantidade de ativos fixos, comprou, através de troca de ações, a Time Warner, um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo. Isto só foi possível pela gigantesca capitalização da AOL em função da desesperada corrida de Wall Street e nasdaq atrás dos papéis das .com entrantes.

O segundo, igualmente envolvendo uma decisão difícil, envolveu a Merck, fabricante de medicamentos, que mais ou menos na mesma época sofreu um revés por causa do analgésico Vioxx, que foi acusado de causar problemas de coração, e inclusive, potenciais mortes. Isso provocou perdas na empresa e o CEO da hora tinha que decidir entre cortas custos de Pesquisa e Desenvolvimento na ordem de USD 300 milhões ou assumir o custo e distribuir o prejuízo entre os shareholders. Duas situações delicadas, as duas com respostas relativamente óbvias do ponto de vista do shareholders (maximização do seu valor...), e as duas tomadas na direção contrária. O melhor de tudo: Steve Kaufman, então CEO da Arrow Electronics e Ray Gilmartin, então CEO da Merck, eram os personagens centrais das duas histórias e hoje, após aposentados, são professoras da Harvard Business School e contaram pessoalmente as histórias.

No caso da Arrow, a decisão foi não tornar a Arrow uma .com e manter-se fiel à estratégia de longo prazo. Eles fizeram alguns movimentos para garantir algum seguro para o acionista. Por exemplo, e se a decisão fosse errada e o mercado .com não fosse uma bolha? Pra isso, compraram participação em 5 empresas .com escolhidas a dedo como empresas cujos fundamentos dos planos de negócio pareciam fazer sentido. Com este movimento, investiram cerca de USD 20 milhões ao invés dos USD 100 milhões que seriam necessários para a criação do marketplace e asseguraram proteção para os shareholders. Nesta época, Craig Barret, diretor da Intel, deu ao Kaufman uma gravata de dinossauro. Pra bom entendedor... bom, o resultado é que a aposta de Kaufman deu certo, a bolha estourou, e ele foi endeusado pelos acionistas por preservar o seu capital.

No caso da Merck a história é ainda mais interessante. A decisão de Gilmartin foi não cortar custos de P&D. O interressante é que o Raman fez a tradicional pesquisa de braços levantados antes de abrir o jogo perguntando quem achava que devia cortar P&D e quem achava que devia contabilizar o preju, e ampla maioria escolheu a primeira opção. Como já comentei antes, a visão de maximização do retorno para o acionista do curto prazo quase sempre prevalece. O grupo de executivos aqui presente confirma isso. Fiquei feliz comiugo mesmo de ter sido um dos poucos que levantou o braço para a segunda alternativa: Gilmartin bancou a decisão, não cortou P&D (o que me parecia óbvio, já que a Merck era tido como uma das empresas mais competitivas do setor justamente porque investia em P&D; portanto, cortar P&D significaria cortar o diferencial competitivo, o tal do core business) e anunciou a decisão ao mercado na segunda-feira. O que vocês acham que aconteceu com a ação da Merck na segunda? Subiu 3% na abertura do pregão e continuou subindo nos dias, semanas e meses subsequentes!!!!!!!

Neste ponto, os dois velhinhos (sem nenhum tom pejorativo na expressão, ao contrário) assumiram a aula e deram um show. Abaixo, uma síntese das intervenções dos dois:

  • Você tem que ter certeza de que está certo. Não existe esse negócio de "sensação" ou de "feeling" quando lidamos com negócios que envolvem milhões de dólares e a vida de centenas (quando não milhares) de pessoas. Assegure-se, através de informação e conhecimento, que o seu "feeling" está correto;
  • Você tem, entretanto, que reconhecer que você PODE estar errado... Não existe aposta 100% segura! Neste caso, faça "seguros" (no caso da Arrow, o seguro correspondeu a comprar participação em outras empresas .com);
  • Não de balas ao inimigo. A Arrow foi pressionada pelo "seller side" a pelo menos permitir que seu estoque se integrasse com os marketplaces para que ela, Arrow, pudesse se "beneficiar" disso e trabalhar com eles ao invés de investir num marketplace próprio. Isso seria dar munição ao inimigo pra que ele atirasse na própria Arrow no médio prazo. Ao não permitir esse acesso, eles cortaram o suprimento se oxigênio dos marketplaces, que tinham bela estrutura, mas nada pra colocar lá dentro, e praticamente, todos acabaram saindo do mercado;
  • Seja fiel ao "buyer side", não ao "seller side". Escute os clientes e encontre um jeito de resolver as preocupações deles;
  • Mais uma vez (isso já apareceu antes): estratégia trata daquilo que você NÃO VAI fazer;
  • Na época, a Arrow perdeu um monte de gente que acreditava que o negócio era na direção das .com. A Arrow permitiu a eles sairem e deixou a porta aberta para voltarem quando quisessem. O raciocínio é simples: é ótimo ter gente que vai lá fora, olha como é, e volta. Eles voltam dizendo que o mundo lá fora é terrível e que aqui dentro é muito melhor, e isso tem um efeito positivo na moral dos que ficaram;
  • No fim do dia, quem decide tem que ter coragem!
  • Alguém perguntou ao Kaufman se ele se lembrava de algum erro que ele tivesse cometido que pudesse compartilhar e dizer o que ele aprendeu. Ele disse que nós não teríamos tempo suficiente, nem que ficássemos ali o dia todo, pra que ele descrevesse todos os erros que cometeu. Mas que o que ele aprendeu com todos eles é que o único erro de verdade é aquele que você comete duas vezes. "Bom julgamento vem da experiência; e experiência, vem de maus julgamentos"
Como foi a última aula do Raman (ele não terá aula final, porque não faz parte do núcleo central de professores do AMP), ele encerrou recomendando que não esquecessemos que a essência de tudo que estudamos em operações é uma só: conseguir que pessoas ordinárias realizem um trabalho extraordinário (e obviamente, o ordinárias não é pejorativo, tem o sentido de pessoas "comuns").

A segunda aula do dia foi o último case do Vietor e estudamos a economia americana. Rico... muito rico... E falo não apenas do conteúdo (que a gente mais ou menos já sabe) mas da dinâmica da aula. Do ponto de vista do conteúdo, percorremos toda a história da economia americana, desde Ronald Reagan, passando por Bush pai, depois Clinton, os anos de bonança (it's the economy, stupid), os anos do George Bush filho e, finalmente, chegams no Obama pra entender o que ele tem que fazer pra resolver o problema. O resumo da ópera é que eles estão ferrados! Se a China parar de comprar o que eles produzem, por exemplo, a vaca vai pro brejo em dois minutos. Basicamente, são os chineses, em larga escala, que financiam os estupidamente grande déficits da economia americana. Mas o mais interessante foi presenciar ao vivo a dinâmica dos republicanos (partido dos Bush's). Vietor estava falando dos problemas, das besteiras cometidas pelo Bush, analisando os números, e tal e coisa. Vietor sempre pega no pé dos "locais" quando pede pra comentar alguma coisa que estamos analisando. Foi assim comigo no Brasil, com os japoneses, no Japão, e não seria diferente com os EUA. Na mesma fileira que eu, na segunda cadeira à minha esquerda, estava o Roger Jenkins (o bom de escrever em Portugues é que posso falar mal dos caras que provavelmente não vão saber... hehe... se bem que eu falaria tudo que tá aqui pra ele do mesmo jeito, pensa num carinha intragável...), Presidente de uma empresa de exploração de petróleo do Texas... Num dado momento, Vietor descendo o sarrafo do Bush (de novo, apoiado em números, fatos...), ele vira pro tal do Roger e pergunta: o que você acha, Roger? O cara bufa (não é figura de linguagem, o cara bufouo mesmo) e disse que ele votou no Bush, e votou no Bush pai, e que jamais na vida dele ele votaria num Democrata....................... silêncio............... "whatta fuck!!!!!!! Quem é que tá perguntando em quem você votou ou deixou de votar criatura?", pensei eu cá com os meus botões... Aí o Vietor, que é inteligentíssimo, entrou na onda: "mas porque você votou no Bush?", ao que o tal do Roger respondeu "porque são dois times, e eu suporto um e morreria antes de votar pro outro"................... silêncio................ "são crispim, e eu que achava que só tinha gente minimamente esclarecida aqui", pensei eu cá com os meus botões... Ao que o Vietor, já meio bufando também, pergunta pro cara "então essas questões não interessam pra você, certo? se está certo ou errado é só uma questão de ser republicano?". O cara até tentou abrir a boca, mas o Vietor não deixou e completou: "ok, vamos então pegar outro americano mais esclarecido e que se importe com as questões que envolvem o país".

Vocês pensam que acabou??????????????????????????

Nããããããã... Roger queria mais...

Lá pelas tantas, se revirando na cadeira, ele vira e pergunta: se o Clinton era tão bom, porque ele não elegeu o Al Gore como sucessor?????? Dessa vez não teve silêncio... todo mundo caiu de pau em cima dele perguntando "não elegeu??????". O próprio Vietor disse que o povo elegeu o Al Gore e se não fosse a recontagem suspeita da Flórida e a constituição, o Bush não tinha ganho a eleição. Aí um outro cara pediu a palavra pra falar sobre o que o Vietor tava perguntando e também não pode perder a oportunidade de cutucar: olhou pro Roger rindo e disse que também nunca votaria num republicano, portanto dava pra equilibrar um pouco o negócio...

E AINDA não parou aí... um indiano da Mahindra vira pro Roger e diz "você pode me explicar uma coisa? Vocês entram na guerra, sabem que vão gastar bilhões de dólares na guerra e que, portanto, os gastos públicos vão aumentar, e ainda assim cortam taxas (o governo Bush cortou taxas, conforme prometido em campanha, mas desonerouo sobretudo os mais ricos, proporcionalmente)???? Existe alguma explicação lógica e racional para algo assim???". Adivinhem.... Roger tentou defender!!!!!!! disse que o Bush devia ter um time dizendo pra ele que isso ia funcionar. Ou seja, além de não explicar nada ainda chamou o Presidente de inepto, já que não tem discernimento e tem que acreditar em tudo que o time diz....

Não vou aprofundar as possíveis reflexões do episódio, mas tenho certeza que vocês vão concordar comigo que isso explica muita coisa... Mentalidade, visão do próprio umbigo, eleição de Bush e por aí afora... Hoje a noite, durante a janta, fiquei sabendo que rolaram comentários que o tal do cara é amigo da família Bush. Não sei se é verdade.

Finalmente, Fruham e uma aula muito, mas muito chata, sobre análise de índices de empresas, influência de decisões financeiras sobre valor de ações e por aí afora. O tema até é interessante, mas foi uma aula longa, sem case, mas com 3 milhões de slides.

Amanhã, último dia de cases... Tá acabando...

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