domingo, 17 de outubro de 2010

André Agassi

O que o título do post tem a ver com o AMP? Absolutamente nada, a não ser o fato de que estou lendo a biografia do Agassi (Open: an autobiography) e me lembrei que seria interessante compartilhar algumas reflexões para iniciar um debate sobre o tema. Trata-se da construção de um campeão (no caso, campeão de tênis, mas poderia ser campeão de qualquer coisa), e da forma como isso se deu no caso do Agassi.

Pra começar, a revelação mais interessante: Agassi ODEIA tênis. Sempre odiou, desde que começou a jogar aos 7 anos. Porque odeia? Simples: ele jogava tênis obrigado pelo pai. Trocou a infância pela rotina de rebater 2.500 bolas por dia, 1 milhão de bolas por ano, desde os 7 anos. Na matemática do pai do Agassi, uma criança que bate 1 milhão de bolas por ano seria invencível. Desde o berço, André foi moldado pelo pai para ser o número 1 no tênis. A compra da casa da família em Las Vegas teve com requisito básico a existência de um quintal onde desse pra construir uma quadra de tênis. O pai do André acompanhava-o e o "obrigava" a bater as tais 2.500 bolas por dia, no pé dele o tempo todo. Ele deixou de levar o filho à escola (escondido da mãe) pra levar o filho pra treinar no clube, além do que já treinava em casa, ao invés de ir pra aula. Obsessão!!!! Aos 8 anos Agassi começou a jogar torneios e sempre ganhava de todo mundo. Um dia, jogando contra um jogador inferior a ele, perdeu o primeiro set, ganhou o segundo e teve que decidir o jogo no tie-break. No ponto decisivo, ele conseguiu ganhar o ponto mas o garoto, que já se via derrotado, olhou pra bola, e com um bom tempo de atraso, cantou a bola como fora. Pelas regras vigentes no tal torneio, a chamada do jogador era o que valia e isso significava que Agassi tinha perdido o jogo! O primeiro da vida dele. Ele ficou com uma raiva tão grande por ter perdido aquele jogo (ainda que de forma desonesta, não importa, já que ele entendeu que não podia ter se permitido ficar em situação que a chamada desonesta do outro jogador pudesse lhe impor uma derrota) que a partir daquele dia decidiu que não precisava mais do pai para "torturá-lo". Ele mesmo o faria sozinho.

De fato, o pai do Agassi tinha razão. Ele construiu um capeão. Mas aí, vem a reflexão: a que preço? Sem dúvida o preço foi muito alto, André não teve infância. Mas não valeu a pena? André não escolheu jogar tênis. Seu pai escolheu por ele. E, embora André não gostasse, o tênis trouxe tudo a ele: glória, fortuna, reconhecimento mundial, família, conforto, segurança, etc. Isso quer dizer, portanto, que o pai do Agassi estava certo? É realmente função dos pais escolher e traçar o caminho do filho desde muito pequenos, quando eles, portanto, não têm discernimento para escolher? O Livro do Gladwell, The Tipping Point ou Outliers (que se não me engano já foi comentado por alguém aqu no blog), fala que o que faz a diferença é treino, em qualquer atividade esportiva ou profissional, quem treina mais, quem tem mais "horas de prática", em geral, é quem fica melhor (foras de série sempre existem, mas obviamente não são regra). Por este raciocínio, o exemplo do Agassi dá a entender que se nós, pais, escolhermos o caminho do filho e colocamos pra praticar o que quer que seja (estudar, pintura, música, esporte de qualquer natureza, etc), o resultado provável é que ele será muito bom (quem sabe o número 1). Mas é justo sacrificar a infância da criança desa forma? Ou essa é uma escolha difícil mas cujos dividendos compensam? Não é um raciocínio instigante? O que vocês pensam a respeito?

10 comentários:

Vinícius Milani disse...

Olá chefe. Depois de uma cervejinha e uma maminha na mostarda vamos aos trabalhos. Ele não consta do livro, mas parece-me que o Agassi também faz parte dos Outliers do Gladwell. Faz parte daqueles que foram pautados ou oportunizados por seus pais nas 10 mil horas de treinamento ao longo de suas vidas. Mas vamos a sua sugestão de discussão. De fato é instigante. No entanto, não acho justo sacrificar a infância mesmo que os dividendos sejam interessantes. Muitas vezes estes pais depositam nos filhos as suas frustrações, e criam as suas expectativas no desempenho da criança. As crianças precisam de espaço e liberdade para cometer erros, fazer más escolhas, ficar em segundo lugar. Elas precisam e imploram por limites dos seus pais que não sabem que NÃO tem som de NÃO. A Maria Vitória (minha filha de 7 anos) sabe exatamente o som que tem o não. Ah!! E eu nunca dei um tapa nela sequer. Eu acredito, e tenho trabalhado para isso, que o ambiente e os estímulos devem ser propícios para que a criança cresça feliz e possa no momento certo fazer as suas escolhas. Aliás, é isso que acredito que seja o empreender para a vida. Proporcionar na Educação um ambiente de estímulos que façam a criança pensar, ser critico, fazer análises e por conseguinte empreender para vida.

Allan Costa disse...

Excelente, Vinicius! So nao precisava era fazer inveja com a maminha na mostarda... ooooo saudade de um churrasco!!!!!

Anônimo disse...

Sabe, Allan, reflexão difícil!! Pensar que o pai transferiu para o filho o desejo pessoal. O excesso, a obsessão, a pressão, que marcaram a vida do André, é algo que parece um tanto assustador. Mas te pergunto, será que o pai foi errado, em decidir pelo moleque, e transformar o piá em um sucesso??? A dificuldade da imposição é o regime ditatorial que é instaurado. Mas a felicidade é totalmente relativa!!! Não sei se alguém tem direito de decidir o futuro de ninguém, mas tem o poder e muitas vezes o dever de orientar. Acho que o direcionamento obcecado, não seja saudável, mas dúvido que se dessem ao Agassi, hoje, o direito de escolha entre ser submetido aos sonhos do pai ou não, possivelmente ele diria que faria tudo de novo. A resposta, nunca vamos saber, afinal, as histórias nunca tem dois finais. Acho até que em algum lugar do teu blog vc falou sobre o fator de decisão para vc estar onde está. Será que tentar direcionar o futuro do próprio filho é algo grave???? A única certeza que tenho é que em certas ocasiões algumas pessoas fazem parte das nossas escolhas, em outras nós é que fazemos parte da escolha de outros.
Dificil, é pensar ainda na diferença que um pai poderia fazer na vida daqueles que não tiveram um. Essa tendencia constante de tentarmos definir modelos, referenciais e padroes, de comportamento, pensamento, educação, etc. Acreditar que tudo pode se encaixar em um formato perfeito, para chegar ao sucesso, é algo absurdo. Mas uma constatação é que seja qual for o modelo e as variaveis, alguns elementos importantes para o sucesso são a dedicaçaõ e a disciplina. Sucesso pra vc!!!
Ps.: legal o livro que o Vinicius cita, dos Outliers de Gladwell.

mauricio disse...

Meu amigo, creio que a principal questão seja o conceito de felicidade.
Será que aquilo que nos realiza também deve, necessariamente, realizar um outro ser? Nossos filhos dependem e precisam de nossas orientações, mas não será uma responsabilidade muito grande "impor" a eles aquilo que entendemos como sendo a melhor opção? Devemos "decretar" que aquilo que nos realiza deverá realizar também nossos filhos?
Eu, particularmente, prefiro aguardar, tentar ESCUTAR, LER, ENTENDER, ao longo do tempo, as coisas que se alinham com a personalidade de cada um (eu tenho três, você sabe. E dois gêmeos).
Meus filhos gêmeos têm personalidades completamente diferentes. Como fazer nesse caso? Devo colocar um para bater 2000 bolas/dia e outro para chutar 2000 vezes ao gol? Ou inverter a ordem?
Estou optando por observar, acompanhar, aguardar....
O tempo da infância é o tempo para ser criança, o da adolescência é precioso para viver essa coisa maravilhosa de "ser adolescente", não posso tirar isso deles, porque é deles.
É difícil dizer o que é o certo e o que é errado. Não sei se estou certo, mas sinto que esse é um bom caminho, coerente com aquilo que acredito, com a minha profissão de psicólogo, orientador profissional e coach. Maurício.

Anônimo disse...

Allan:
À pergunta instigante que você colocou eu acrescentaria outras que já denotam minha resposta ocidental: é justo sacrificar a infância de crianças com a miséria e com a fome como acontece em algumas regiões deflagradas da África? É juto sacrificar a infância de crianças com o propósito de desenvolver suicidas destinadas a se matar por serem doutrinadas a compreender a vida como um fardo? vide http://www.ted.com/talks/lang/por_br/sharmeen_obaid_chinoy_inside_a_school_for_suicide_bombers.html
Minha resposta simples é: não. Basicamente não vale a pena sacrificar a infância de ninguém.

Quero sim ampliar ao máximo as oportunidades (inclusive porque, eu não as tive) de minhas filhas. Elas precisarão estudar idiomas, música, ao menos uma linguagem de programação. Elas terão contato com a arte e com diferentes culturas. Incentivo-as a ler (pois sempre lemos juntos ao dormir) e a questionar. Porque sim não é resposta, como porque não também não é. Elas serão ensinadas a estruturar perguntas e procurar respostas.

Mas esta é a cultura ocidental da escolha. Entendemos que o melhor para nossos filhos é que aprendam a fazer escolhas por eles mesmos... em outras culturas parte das decisões cabe aos pais e aparentemente funciona bem.

Quanto à repetição: há tempos atrás li a Arte da Guerra do velho e bom Sun Tzu com notas de rodapé feitas por Napoleão Bonaparte (parece que o francês leu o chinês umas três vezes na vida). Num dos trechos do livro, Tzu sugere aos generais que ao passarem por diferentes tipos de terreno em suas viagens (mesmo que não em campanha) exercitem o pensamento estratégico: "se meu exército estivesse NESTE vale, como eu me defenderia de um ataque vindo das montanhas?" ou "se o meu inimigo estivesse no vale e meu exército NESTAS montanhas, como eu atacaria?". Neste trecho há uma anotação de Napoleão que diz (mais ou menos... já não lembro as palavras exatas): "meu caro General, embora você não me conheça, saiba que pratico este raciocínio estratégico desde os 10 anos".
Treino, treino, treino... Oscar Schimdt disse certa vez que não gostaria de ser lembrado como Mão Santa e sim como "Mão Treinada".
Abraço,
Anônimo recorrente

Anônimo disse...

Allan:
À pergunta instigante que você colocou eu acrescentaria outras que já denotam minha resposta ocidental: é justo sacrificar a infância de crianças com a miséria e com a fome como acontece em algumas regiões deflagradas da África? É juto sacrificar a infância de crianças com o propósito de desenvolver suicidas destinadas a se matar por serem doutrinadas a compreender a vida como um fardo? vide http://www.ted.com/talks/lang/por_br/sharmeen_obaid_chinoy_inside_a_school_for_suicide_bombers.html
Minha resposta simples é: não. Basicamente não vale a pena sacrificar a infância de ninguém.

Quero sim ampliar ao máximo as oportunidades (inclusive porque, eu não as tive) de minhas filhas. Elas precisarão estudar idiomas, música, ao menos uma linguagem de programação. Elas terão contato com a arte e com diferentes culturas. Incentivo-as a ler (pois sempre lemos juntos ao dormir) e a questionar. Porque sim não é resposta, como porque não também não é. Elas serão ensinadas a estruturar perguntas e procurar respostas.

Mas esta é a cultura ocidental da escolha. Entendemos que o melhor para nossos filhos é que aprendam a fazer escolhas por eles mesmos... em outras culturas uma série de decisões "para a vida toda" ficam a encargo dos pais ou responsáveis. E parece que em vários casos isso funciona.

Quanto à repetição: há tempos atrás li a Arte da Guerra do velho e bom Sun Tzu com notas de rodapé feitas por Napoleão Bonaparte (parece que o francês leu o chinês umas três vezes na vida). Num dos trechos do livro, Tzu sugere aos generais que ao passarem por diferentes tipos de terreno em suas viagens (mesmo que não em campanha) exercitem o pensamento estratégico: "se meu exército estivesse NESTE vale, como eu me defenderia de um ataque vindo das montanhas?" ou "se o meu inimigo estivesse no vale e meu exército NESTAS montanhas, como eu atacaria?". Neste trecho há uma anotação de Napoleão que diz (mais ou menos... já não lembro as palavras exatas): "meu caro General, embora você não me conheça, saiba que pratico este raciocínio estratégico desde os 10 anos".
Treino, treino, treino... Oscar Schimdt disse certa vez que não gostaria de ser lembrado como Mão Santa e sim como "Mão Treinada".
Abraço,
Anônimo recorrente

Anônimo disse...

SAbe o que é legal, que os posts do Allan são sensacionais.. Mas o comentários tb são show de bola!!! Delícia ler este blog!!!

Allan Costa disse...

E esta eh a melhor parte!!!!!!! Fomentar discussao que agregue alguma coisa pro pessoal que acompanha. Bacana!!!!!!!

Anônimo disse...

Sobre o vídeo de Sharmeen Obaid Chinoy: Dentro de uma escola de homens-bomba. do anonimo recorrente. Assutador!!! Até que ponto vai a obsessão humana??? Qual o limite da razão?? Se é que existe limite!!! Parece mais brutal ainda, quanda a gente imagina que poderia ser um filho nosso naquele capa de concentração infantil... Não sei o que choca mais, se é a brutalidade explícita ou saber que existem outras condições desumanas, iguais ou piores, mas que são veladas!

Adriano Pereira da Silva disse...

O tema é instigante. Acredito que os pais precisam 'estimular' as potencialidades dos filhos para que eles vislumbrem e se possível alcancem a excelência.O fato de uma criança apresentar potencial, parece denotar algo fundamental: o 'interesse' pelo tema. É mais ou menos aquela situação em que o filho é excelente me português, mas um desastre em matemátia. Alguns pais fazem o filho concentrar totalmente no que é ruim (neste caso matemática), esquecendo do que ele é realmente bom (neste caso português) - o que deveria ser realmente potencializado (mas esta é outra história). Mesmo assim, potencializando o que o garoto (a)é bom, é preciso saber dosar e acalmar as 'expectativas'(dos pais). Temos vários exemplos de filhos que foram altamente exigidos pelos pais na infância e que chegaram a níveis profissionais que beiram a perfeição, entretanto apresentam graus de desempenho em outras áreas de inteligências (QE pricipalmente) que alguns poderiam chamar de 'desequilíbrio'. Taí exemplos como o Tiger Woods e o Michael Jackson...
Já aqueles que fizeram porque gostavam e em sua maior parte por 'vontade própria', são excelentes e não apresentam tais falados 'desequilíbrios', a exemplo do mão santa, que inclusive estará em Umuarama amanhã...